"Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo." Foucault

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"Alquimia de ventilador, poesia de liquidificador..."

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Todas as Vidas



Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado
Acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo.
Benze quebranto. Bota feitiço... Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim a lavadeira do rio vermelho.
Seu cheiro gostoso de água e sabão.
Rodilha de pano. Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de São-Caetano.
Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola.
Quitute bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha. Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda. Cumbuco de coco. Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária.
Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos,
de casca grossa, de chinelinha e filharada.
Vive dentro de mim a mulher roceira.
Enxerto de terra, trabalhadeira.
Madrugadeira. Analfabeta. Pé no chão.
Bem parideira. Bem criadeira.
Seus doze filhos. Seus vinte netos.
Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada...
fingindo alegre seu triste fado.
Todas as Vidas dentro de mim:
Na minha vida – a vida mera das obscuras!
(Cora Coralina)
"Roubo palavras...
mas somente aquelas que encontram eco em minha alma"

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